Um dos maiores problemas na prática da Medicina do Trabalho se estabelece quando o Médico do Trabalho/“Médico Examinador”, após ter qualificado o empregado como “inapto” a determinada função, o encaminha para o serviço de Perícias Médicas do INSS, sugerindo, mediante atestado médico, determinado lapso de tempo para respectivo tratamento e recuperação. O Médico Perito do INSS, por sua vez, após concessão de benefício previdenciário por um prazo menor do que o sugerido pelo Médico do Trabalho/“Médico Examinador”, qualifica este empregado como “capaz” para retorno às suas atividades laborais. Estabelece-se então o chamado “limbo trabalhista-previdenciário”. Qual a conduta mais apropriada do Médico do Trabalho/“Médico Examinador” a partir de então, com relação ao empregado, à empresa, e ao INSS?

A Norma Regulamentadora n. 7 (NR-7) assim nos traz no item 7.4.4.3: “o ASO (atestado de saúde ocupacional) deverá conter, no mínimo: (e) definição de apto ou inapto para a função específica que o trabalhador vai exercer, exerce ou exerceu”. Uma análise literal da norma supra nos sugere que essa definição de aptidão/inaptidão é prerrogativa do Médico do Trabalho/“Médico Examinador”, a quem coube a função de emitir o ASO.

No entanto, a Lei n. 11.907/2009, em seu art. 30, § 3º, assim coloca: “compete privativamente aos ocupantes do cargo de Perito Médico Previdenciário ou de Perito Médico da Previdência Social…, em especial a: (I) emissão de parecer conclusivo quanto à capacidade laboral para fins previdenciários”. Oportuno lembrar que a Lei 13.135/2015 conferiu também a possibilidade do SUS, através de seus profissionais, realizar perícias médicas para o INSS e sob supervisão da autarquia.

Ocorre que muitas vezes (muitas mesmo!) o INSS qualifica o segurado como “capaz” enquanto o Médico do Trabalho/“Médico Examinador” o julga como “inapto”. Conquanto estejamos tratando de legislações diferentes (previdenciária – Lei 11.907/2009, e trabalhista – NR-7), por terem repercussões fáticas interligadas (consubstanciadas no chamado “limbo trabalhista-previdenciário”), entendemos que verifica-se entre essas normas o que no estudo do Direito recebe o nome de antinomia, ou seja, a presença de duas normas conflitantes, gerando dúvidas sobre qual delas deverá ser aplicada no exemplo dado.

No caso em tela, a Lei n. 11.907/2009 goza de uma posição hierárquica privilegiada em nosso ordenamento jurídico, uma vez que se classifica como lei federal ordinária, enquanto que a NR-7 foi editada por força de uma portaria (Portaria do MTE n. 24/1994). Como hierarquicamente as leis ordinárias prevalecem sobre as portarias, juridicamente, deve prevalecer a Lei n. 11.907/2009.

Outras normativas corroboram no sentido de que a decisão do Médico Perito do INSS deva, legalmente, prevalecer sobre a decisão do Médico do Trabalho/“Médico Examinador”:

Súmula n. 32 do TST: “Presume-se o abandono de emprego se o trabalhador não retornar ao serviço no prazo de 30 (trinta) dias após a cessação do benefício previdenciário nem justificar o motivo de não o fazer”.

Nosso comentário: comparando o poder decisório do Médico do Trabalho/“Médico Examinador” com o do Médico Perito do INSS, vemos que aptidão ao trabalho é conferida pela cessação do benefício previdenciário definida pelo Médico Perito do INSS, e não pelo Médico do Trabalho/“Médico Examinador”.

Aqui, ratificamos que não estamos julgando tecnicamente a conduta desses profissionais, o que dependerá de cada caso, e tão pouco suas motivações, limitações, etc. Nossa análise é exclusivamente sobre o teor literal da Súmula n. 32 do TST. Lembramos também que o abandono de emprego é considerado uma “justa causa” de rescisão do contrato de trabalho, conforme art. 482 da CLT.

Lei n. 605/1949, art. 6º, § 2º: “A doença será comprovada mediante atestado de médico da instituição da previdência social a que estiver filiado o empregado, e, na falta deste e sucessivamente, de médico do Serviço Social do Comércio ou da Indústria; de médico da empresa ou por ela designado; de médico a serviço de representação federal, estadual ou municipal incumbido de assuntos de higiene ou de saúde pública; ou não existindo estes, na localidade em que trabalhar, de médico de sua escolha”.

Nosso comentário: essa lei deixa clara a hierarquia existente entre os atestados médicos para fins de abonos de faltas ao trabalho (o que também entendemos como “hierarquia das decisões médicas” e não apenas dos atestados médicos), na qual o atestado de médico da instituição da previdência social prevalece sobre o atestado de médico da empresa ou por ela designado (Médico do Trabalho ou “Médico Examinador”). Isso equivale dizer que a decisão proferida pelo médico da instituição da previdência social prevalece sobre a decisão proferida pelo médico da empresa. Mais uma vez enfatizamos que nossa interpretação é sobre a literalidade da Lei n. 605/1949, art. 6º, § 2º.

Súmula n. 15 do TST: “A justificação da ausência do empregado motivada por doença, para a percepção do salário-enfermidade e da remuneração do repouso semanal, deve observar a ordem preferencial dos atestados médicos, estabelecida em lei”.

Nosso comentário: a ordem dos atestados estabelecida em lei nos remete obrigatoriamente à Lei n. 605/1949 (vista anteriormente). Trata-se da única lei federal em que o ranking dos atestados médicos foi colocado. Em outras palavras, essa Súmula diz que deve ser obedecida primeiro a decisão do Médico Perito do INSS, para, só depois, a decisão do Médico do Trabalho/“Médico Examinador”.

Importante lembrar que essa súmula foi reavaliada e mantida pelo TST em 2003, o que mostra a inquestionável importância da Lei n. 605/49 ainda nos dias atuais.

Por toda fundamentação legal exposta na situação exemplificada na introdução deste tópico, ao receber um empregado considerado “capaz” pelo serviço de Perícias Médicas do INSS, entendemos que o Médico do Trabalho/“Médico Examinador”, caso julgue o mesmo trabalhador como “inapto”, deverá:

• explicar ao trabalhador todas as repercussões (inclusive legais) do impasse instalado;
• enfatizar junto ao empregado sobre todos os possíveis riscos à saúde advindos do seu ambiente de trabalho, nos termos dos arts. 12 e 13 do novo Código de Ética Médica;
• orientar e auxiliar esse segurado quanto a interposição de pedido de recurso ou novo pedido junto ao INSS, explicando–lhe todas as possíveis consequências de cada possibilidade (obs.: excluímos aqui o Pedido de Prorrogação (PP) pelas circunstâncias do exemplo dado, que já considera o empregado fora da vigência do benefício, o que inviabiliza a solicitação do PP);
• orientar e auxiliar esse segurado quanto a possibilidade de ação judicial em face da decisão proferida pelo serviço de perícias médicas do INSS, também explicando-lhe as possíveis repercussões;
• enquanto vigorar a discordância com o serviço de perícias médicas do INSS (ainda que aguardando resultado do pedido de recurso etc.), deverá considerar o empregado “apto” ao trabalho, revogando, inclusive, o seu próprio atestado, já emitido quando do encaminhamento inicial do empregado ao INSS. Nesse período de impasse, não há sustentação legal para que o Médico do Trabalho/“Médico Examinador” (que age como se empresa fosse, conforme interpretação extraída do art. 932, inciso III, do Código Civil) confronte a decisão do Médico Perito do INSS, não recepcione esse empregado no trabalho (em funções adequadas e não prejudiciais ao trabalhador), mas ao contrário, o mantenha afastado (especialmente, sem o pagamento do respectivo salário). Sobre o tema, assim vêm se pronunciando de forma majoritária (não unânime) os tribunais, em diversas situações:

EMENTA: “DANO MORAL — RECUSA INJUSTIFICADA NO RETORNO DO EMPREGADO AO TRABALHO — A recusa em receber o autor de volta ao trabalho, deixando–o sem recebimento de remuneração, tendo ciência da negativa do INSS em pagar-lhe benefício previdenciário, mostra-se não só arbitrária, como antiética e contrária aos parâmetros sociais. Essa atitude, além de não ter respaldo no ordenamento jurídico, revela apenas seu intuito de esquivar-se dos ônus devidos perante o trabalhador. Praticou verdadeira burla aos direitos da dignidade do cidadão empregado, de forma abusiva e absolutamente alheia às garantias constitucionais. Assim, é imperioso reconhecer que a demandada deixou de observar o princípio básico da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CR/88), além de vulnerar o primado valor social do trabalho (art. 1º, IV, CR/88), pelo que, a indenização decorrente do dano moral mostra-se plenamente devida”. (RO 00399-2008-068-03-00-2)

EMENTA: “AFASTAMENTO DO EMPREGADO. INDEFERIMENTO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. INAPTIDÃO DECLARADA PELO MÉDICO DA EMPRESA. Comprovada a tentativa do autor de retornar ao trabalho e atestada a sua capacidade pela autarquia previdenciária, cabia à reclamada, no mínimo, readaptar o obreiro em função compatível com a sua condição de saúde, e não simplesmente negar-lhe o direito de retornar ao trabalho, deixando de lhe pagar os salários. Como tal providência não foi tomada, fica a empregadora responsável pelo pagamento dos salários e demais verbas do período compreendido entre o afastamento do empregado e a efetiva concessão do benefício previdenciário”. (RO 01096-2009-114-03-00-4)

TRECHO DA SENTENÇA: “(…) mesmo tendo o Órgão Previdenciário afirmado por três vezes que o autor se encontrava apto ao labor e o laudo da Justiça Federal também comprovar a aptidão, a empresa não aceitou seu retorno ao trabalho, sob a alegação de que ele se encontrava inapto (fl. 17). (…) Vale ressaltar, ainda, que quem não concordou com a conclusão do INSS, que de alguma forma lhe impunha aceitar o reclamante de volta ao trabalho, foi a empresa e não o empregado. Sendo assim, cabia a ela recorrer da decisão junto ao INSS, o que não fez, preferindo o caminho mais cômodo, ou seja, deixar que o reclamante, sem qualquer apoio, recorresse às vias administrativa e judicial à procura de solução para o seu caso. (…) Por um lado, se a empresa não está obrigada a aceitar empregado doente em seus quadros, por outro não é correto e jurídico que o empregado, considerado apto e que já não mais recebe o benefício previdenciário, não aufira os salários correspondentes, principalmente quando se apresenta reiteradamente ao labor, sem sucesso. Nesta ordem de ideias, não se pode imputar ao reclamante os prejuízos decorrentes de ato da empregadora, ainda que a título de protegê-lo, cabendo a ela a responsabilidade pelas consequências de seus atos, principalmente no caso em apreço, em que o empregado se apresenta ao trabalho por diversas vezes, acatando o resultado da perícia previdenciária”. (00595-2009-090-03-00-9)

EMENTA: “INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. A reclamada agiu abusivamente ao impedir o retorno do reclamante ao trabalho após a alta médica, caracterizando-se tal procedimento como ato ilícito, que enseja a reparação pretendida. A configuração do dano moral na hipótese é inequívoca, como consequência da condição imposta ao autor de permanecer ocioso sem exercer as suas atividades, sendo patentes o constrangimento e a angústia sofridos pelo reclamante”. (RO 001064-87.2010.5.03.0098)

EMENTA: “ALTA PREVIDENCIÁRIA. RETORNO DO EMPREGADO. RECUSA DO EMPREGADOR. EFEITOS DO CONTRATO DE TRABALHO. Se o empregador mantém em vigor o contrato de trabalho da empregada, mesmo após o INSS e a Justiça Federal terem indeferido o restabelecimento do benefício previdenciário, ao fundamento de existência de capacidade laborativa, ele deve arcar com todos os efeitos pecuniários da ausência de suspensão do contrato de trabalho, mesmo não tendo havido prestação de serviço”. (ED 0000475-44.2011.5.03.0136)

TRECHO DA DECISÃO: “Portanto, não há dúvida de que a recorrente foi sim impedida de retornar ao trabalho após a alta do INSS, por ter sido considerada inapta pelo setor médico da empregadora para reassumir as mesmas atividades desempenhadas antes do afastamento. Ocorre que diante da divergência entre a conclusão da perícia do INSS e o médico da empresa, cabia a esta diligenciar junto à autarquia para a solução do impasse, não podendo simplesmente recusar o retorno da empregada, que, de resto, nada recebeu de salário ou de benefício previdenciário, vendo-se privada do principal meio de sobrevivência, circunstância que inegavelmente viola as garantias concernentes à dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho, inscritas nos incisos III e IV do art. 1º da CR. Por outro lado, não se pode olvidar que a concessão de auxílio-doença implica a suspensão do contrato de trabalho a partir do 16º dia do afastamento, retomando o seu curso normal a partir da concessão de alta médica pelo órgão previdenciário, daí a responsabilidade do empregador pelo adimplemento dos direitos pecuniários enquanto o empregado não estiver percebendo benefício da autarquia”. (00699-2010-108-03-00-0-RO)

TRECHO DA DECISÃO: “Sem o amparo, quer dos salários, quer do benefício previdenciário, o Reclamante, em 21.5.2010, conforme consta da inicial do writ (fl. 3), compareceu ao serviço médico da Empresa, oportunidade em que foi confeccionado o Atestado de Saúde Ocupacional — ASO (fl. 68), declarando-o inapto para executar a função de supervisor administrativo. Isso é o que basta para sustentar a legalidade da decisão impugnada. É dizer: a cessação de benefício previdenciário, em virtude de recuperação da capacidade laboral, afasta a suspensão do contrato de trabalho, impondo o imediato retorno do trabalhador ao emprego. Portanto, constatada a aptidão para o trabalho, compete ao empregador, enquanto responsável pelo risco da atividade empresarial (CLT, art. 2º), receber o trabalhador, ofertando-lhe o exercício das funções antes executadas ou, ainda, de atividades compatíveis com as limitações adquiridas. Do contrário, estar-se-ia dissipando o valor social do trabalho e a dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III e IV), pois o empregado, já sem a percepção de benefício previdenciário, ficaria, agora, ante a tentativa da empresa de obstar o seu retorno ao serviço, sem a possibilidade de auferir salários, o que, na verdade, revela o descaso do empregador, bem como a sua intenção de evitar a assunção das irrefutáveis obrigações decorrentes do curso regular do contrato”. (TST-RO-33-65.2011.5.15.0000, Relator Ministro: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, DEJT 13.4.12)

EMENTA: “AFASTAMENTO PREVIDENCIÁRIO — RETORNO AO LABOR — DIVER-GÊNCIA DE CONCLUSÕES MÉDICAS — INSS CONSIDERA O TRABALHADOR APTO — MÉDICO DA EMPRESA O CONSIDERA INAPTO — INDENIZAÇÕES DEVIDAS — A reiterada negativa da empresa em obedecer à conclusão da perícia previdenciária configura abuso de direito do empregador; mostra-se não só arbitrária, como antiética e contrária aos parâmetros sociais; revela que a empresa tenta, a todo custo, imputar ao autor toda sorte e toda dor pelo indeferimento do benefício previdenciário, sendo que é do empregador o risco da atividade, conforme o disposto no art. 2º da CLT. Ora, a reclamada não podia deixar o empregado desamparado, por tanto tempo, sem receber nem os salários da empresa nem o benefício do INSS. Neste contexto, impõe-se à reclamada a obrigação de pagar salários do período em que o reclamante foi considerado, pelo INSS, apto para retomar suas atividades, mas foi impedido, pelo empregador, de retornar ao labor”. (RO-01420-2011-089-03-00-3)

TRECHO DA DECISÃO: “Demonstrada a tentativa obreira de retornar ao trabalho — tanto que se submeteu ao exame médico com esse propósito — e atestada a sua capacidade pelo órgão administrativo competente, cuja conclusão prevalece por ser dotada de fé pública e por não ser o caso de se discutir, na presente lide, se houve ou não equívoco na decisão do INSS, cabia à ré, no mínimo, readaptar o autor em função compatível com as suas condições de saúde, e não simplesmente negar-lhe o direito de retornar ao trabalho. Todavia, tal providência não foi tomada pela empresa. Registra-se que, como o demandante permaneceu à disposição da demandada e que partiu desta a iniciativa de obstar o retorno ao emprego, o salário do empregado não pode ficar a descoberto”. (00252-2012-076-03-00-3-RO)

EMENTA: “DANO MORAL. APTIDÃO LABORAL DECLARADA PELA PREVIDÊNCIA SOCIAL. NEGATIVA INJUSTIFICADA DE RETORNO DO EMPREGADO AO TRA-BALHO. A conduta ilícita patronal de não permitir o retorno do reclamante ao trabalho, ou mesmo de readaptá-lo em atividades compatíveis com sua condição de saúde, deixando-o sem percepção de salários, ciente ainda da negativa da Previdência Social em conceder-lhe benefício previdenciário (por entendê-lo apto para o trabalho), demonstra-se abusiva, ferindo parâmetros éticos e sociais. Ademais, tal conduta ilegal, denota o intuito patronal de eximir-se dos ônus devidos perante o obreiro, olvidando–se de que o risco da atividade econômica pertence ao empregador (art. 2º, CLT). Restou, assim configurada, ofensa aos direitos personalíssimos do obreiro, gerando o dever de reparar o dano (arts. 186, 187, 927 e 944 do Código Civil e arts. 5º, V e X, da Carta Magna), mormente, considerando os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho, eriçados a fundamentos da República Federativa do Brasil, bem como que, a ordem social é fundada no primado do trabalho (arts. 1º, III e IV, e 193 da CRFB/88)”. (90.2010.5.03.0074-RO)

EMENTA: Alta do INSS. Retorno ao trabalho. Recusa do empregador em considerar o empregado apto ao exercício da função. Responsabilidade do empregador pelo pagamento dos salários referentes ao interregno em que ficou o obreiro sem receber benefícios previdenciários ou remuneração. (AIRR-95000-49.2010.5.17.0011)

TRECHO DO ACÓRDÃO: “Incontroverso que foi negado ao obreiro o trabalho, impondo-lhe a inação e o prejuízo salarial. Jamais poderia o empregador simplesmente constatar a inaptidão o empregado e mandá-lo para casa, mormente sabendo que este já recebera do INSS o diagnóstico de apto. Ao adotar tal comportamento o empregador deixa obreiro entregue à sua própria sorte. Mas, não é só isso, mesmo quando o acolheu, nenhuma medida tomou para readaptá-lo impondo-lhe inação compulsória. O perito do juízo censura o comportamento do médico do trabalho da empresa. A defesa que a recorrente faz do seu médico não deve prosperar, pois calcada na lógica do corporativismo, que não raro é o responsável por lamentáveis violações éticas. Induvidoso que houve inércia do médico da empresa que simplesmente discordou do laudo do INSS, mas não tomou nenhuma providência para proteger a saúde do trabalhador, seja acolhendo-o em outra função, seja oferecendo um laudo, ou acompanhamento, ou qualquer outra medida que considerasse cabível para solver a questão do empregado, tudo, menos simplesmente cruzar os braços e abandoná-lo ao seu destino. A obrigação de indenizar, no caso em tela, mostra-se evidente, pois restaram caracterizados, de forma clara e irretorquível, os elementos componentes da responsabilidade civil, ou seja, uma ação ou omissão; a culpa imputável ao agente causador do dano; o dano em si e o nexo de causalidade, entre a ação ou omissão e o dano, tudo isso em estrita consonância com o disposto no art. 186 do Código Civil. PAULO ROBERTO DE CASTRO – Desembargador Relator. (0000095-42.2012.5.03.0053 AIRR)

EMENTA: CESSAÇÃO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. EMPREGADA CONSIDERADA INAPTA PARA O TRABALHO PELO SERVIÇO MÉDICO EMPRESARIAL. CONTRATO DE TRABALHO EM VIGOR. Se a reclamada manteve em vigor o contrato de trabalho da reclamante, impedindo, porém, a empregada de trabalhar, mesmo após a cessação do benefício previdenciário, ao fundamento de existência de incapacidade laborativa, deve arcar com todos os efeitos pecuniários decorrentes da suspensão contratual, ainda que não tenha havido prestação de serviço. (Processo n. 00245-2013-038-03-00-6-RO) (Obs.: o julgador afirmou no corpo do acórdão: “Nestes termos, há que prevalecer a perícia médica realizada pelo INSS, que concluiu pela aptidão da trabalhadora, ainda que contrário ao constatado pelo serviço médico empresarial” – grifo nosso.)

Portanto, além da devida documentação em prontuário médico, sugerimos que esse ASO de aptidão vá acompanhado de um documento que apresente a seguinte redação:

“O trabalhador ____ , RG _____ , teve pedido de prorrogação (PP) indeferido e/ou término de seu auxílio-doença em __/__/__. Diante do exposto, com fulcro no art. 482, alíneas “e” e “i” da CLT, combinado com Súmulas ns. 15 e 32 do TST, e nas Leis ns. 11.907/2009 (art. 30, inciso I), 8.213/1991 (art. 60, § 5º, inciso I), 605/1949 (art. 6º, § 2º), sem outra alternativa de conduta, me submeto à decisão do INSS e o qualifico como apto para retorno ao trabalho, podendo este exercer as atividades previstas na sua profissiografia e de forma adaptada, observando todas as recomendações abaixo, que também foram expressas verbalmente ao trabalhador (em obediência ao art. 12 da Resolução CFM n. 1.931/2009), e disponibilizadas aos responsáveis pelo seu setor de trabalho (posto de trabalho), enquanto se aguarda resposta ao pedido de recurso/nova perícia/decisão judicial.
Recomendações: _______________________________.” [redação atualizada em 16/04/2018]

Percebam: o propósito dessa conduta não é expor o empregado a algum risco de adoecimento/agravamento/acidente. Não! Pelo contrário. Quando elencamos todas as “recomendações” (que muitos médicos preferem caracterizar com o uso do termo “restrições”), estamos deixando clara a nossa intenção de preservar a integridade do trabalhador, sem, contudo, percorrer trilhas de elevada insegurança jurídica.

No entanto, sabemos que, na prática, muitas vezes, as “recomendações” solicitadas praticamente se equivalerão à própria inaptidão desse empregado. Por isso, a partir de então, o bom-senso e a boa habilidade de diálogo do Médico do Trabalho/“Médico Examinador” junto ao empregado, ao empregador e ao INSS é que definirão a melhor conduta a ser tomada, sempre visando ao bem maior: a preservação da dignidade, e da saúde do trabalhador (princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado pelo art. 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988).

Sugerimos então, algumas possíveis condutas:

• quanto ao INSS: caso haja possibilidade de aproximação com o serviço de perícias médicas do INSS (ou designados por este, nos termos da Lei 13.135/2015) no sentido de viabilizar uma solução para o caso, o Médico do Trabalho/“Médico Examinador” deverá fazê-lo;
• quanto ao empregador: nosso entendimento está firmado no sentido de que o empregador precisa entender toda essa problemática, com todos os seus fundamentos legais, e também as prováveis repercussões em casos de processos judiciais futuros. Assim, o ideal, é que haja um posto de trabalho inócuo (não nocivo) à saúde do trabalhador, e que o empregado atue por lá enquanto não estiver no pleno de sua capacidade laboral (do ponto de vista do Médico do Trabalho/“Médico Examinador”). Isso não deve ser confundido com o chamado “desvio de função”, comumente usado para fins de pagamentos de menores salários. No caso em questão, o motivo da mudança da atividade laboral se justifica pela preservação da dignidade do empregado, uma garantia constitucional. A manutenção do empregado na mesma função (caso haja possibilidade de agravamento da doença/acidentes) deve ser fortemente contraindicada. Além dos riscos indesejáveis ao trabalhador, caso haja algum dano, o próprio empregador poderá ser penalizado com fulcro nos arts. 129 e 132 do Código Penal, e 927 do Código Civil. Dessa forma, não havendo algum ambiente inócuo em que se possa acomodar o empregado durante sua completa convalescença, até mesmo a permanência do empregado em sua própria residência, sem o desconto no respectivo salário (situação em que a falta será considerada justificada, conforme art. 131 da CLT) deverá ser considerada pelo empregador.

Na vigência do impasse entre Médico Perito do INSS e Médico do Trabalho, a empresa poderá dispensar esse empregado?

Sendo considerado “capaz” pelo Médico Perito do INSS, a dispensa do empregado (rescisão do contrato de trabalho, sem justa causa), em tese, está permitida por lei. Lembremos que, de forma submissa ao INSS, o Médico do Trabalho/“Médico Examinador” terá de considerá-lo “apto” para retorno ao trabalho. Desta forma, o empregado também estaria “apto” num eventual exame demissional que fizesse, uma vez que, para o Médico do Trabalho/“Médico Examinador”, entendemos que os critérios clínicos dessas avaliações (exames admissional, periódico, demissional, retorno ao trabalho, e mudança de função) devem ser exatamente os mesmos, sob pena de haver condutas discriminatórias, com “pesos e medidas diferentes” para os exames realizados (no caso em análise, para os exames de retorno ao trabalho e demissional). Com esse raciocínio, vieram os seguintes julgados:

EMENTA: “INCERTEZA QUANTO À APTIDÃO DO RECLAMANTE PARA O TRABALHO. AFASTAMENTO. SALÁRIOS. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL. Se o empregador discorda da decisão do INSS que considerou seu empregado apto para o trabalho deve impugná-la de algum modo, ou, até mesmo, romper o vínculo, jamais deixar o seu contrato de trabalho no limbo, sem definição. Como, no caso em exame, a reclamada somente veio a despedir o reclamante um ano e nove meses após, incorreu em culpa, ensejando o pagamento de indenização por danos morais, bem assim dos salários devidos no respectivo período. Isso porque nos casos em que o empregado não apresenta aptidão para o trabalho e o INSS se recusa a conceder-lhe o benefício previdenciário, incidem os princípios da função social da empresa e do contrato, da solidariedade social e da justiça social, que asseguram o pagamento dos salários, ainda que não tenha havido prestação de serviço”. (RO 0000565-04.2010.5.05.0016).

EMENTA: “O empregador que impede o retorno ao trabalho de empregado reabilitado pela Previdência Social e também não promove a rescisão contratual, reencaminhando o empregado, de forma inútil aos cofres previdenciários, responde pelo pagamento dos salários relativos a período ocorrente entre a alta médica e efetivo retorno ao trabalho ou efetiva rescisão, pois o tempo em questão é considerado como tempo dispendido à disposição do empregador”. (RO 0262400-22.2010.5.02.0362)

EMENTA: SALÁRIO SEM TRABALHO. DIVERGÊNCIA ENTRE PERÍCIA DO INSS E DO MÉDICO DO TRABALHO DA EMPRESA. REPARAÇÃO DEVIDA PELA EMPRESA. Constatada a divergência entre pareceres médicos advindos da empresa e da autarquia previdenciária, cabe à empregadora, e não ao empregado, buscar a solução para o impasse. Isso porque não se pode admitir que o reclamante fique impedido de trabalhar, sem receber salários e sem a percepção de benefício previdenciário. Devidos, pois, os salários do respectivo período de afastamento, ante a atrativa responsabilidade da empresa. (0001503-82.2013.5.03.0134 RO)

EMENTA: INDEFERIMENTO DE MANUTENÇÃO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. RETORNO AO TRABALHO. RECUSA DO EMPREGADOR. EFEITOS PECUNIÁRIOS. Se o empregador mantém em vigor o contrato de trabalho, porém, impede que a empregada reassuma seu posto ou qualquer outro que julgar mais adequado após a alta conferida pelo INSS, deverá suportar os efeitos pecuniários advindos da suspensão desse contrato, pois nos termos do art. 4 da CLT, “Considera-¬se como de serviço efetivo o período em que o esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada. (0001983-88.2012.5.03.0039 RO)

Convém-nos lembrar que, mesmo entre os juízes, existem olhares diferentes sobre essa mesma questão. Minoritariamente (conforme nossa pesquisa), alguns magistrados se expressam de outra forma. Vejamos:

AUXÍLIO-DOENÇA. PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO. REINTEGRAÇÃO. NÃO OBRIGATORIEDADE. No período de tempo em que o trabalhador solicita reconsideração quanto ao pedido de auxílio-doença, o contrato de trabalho permanece suspenso, nessa toada, irrelevante o fato da empresa saber ou não da alta médica, vez que não poderá ser o trabalhador dispensado, tampouco há obrigatoriedade de pagamento do referido período”. (TRT-SP RO 00436.2009.261.02.00-0)

DIREITO DO TRABALHO. TRABALHADOR CONSIDERADO INAPTO EM ASO. INEXIGÊNCIA DAS OBRIGAÇÕES DE DAR TRABALHO E PAGAR SALÁRIOS. É indevido o pagamento de salários quando o empregador nega trabalho a obreiro reputado inapto para o exercício de suas funções em Atestado de Saúde Ocupacional, máxime quando o próprio empregado assim também se considera, ajuizando ação postulando a concessão do benefício acidentário. (0001428-74.2012.5.01.0056)

AFASTAMENTO PREVIDENCIÁRIO – RETORNO AO TRABALHO – READAPTAÇÃO – Tendo a autarquia previdenciária considerado a reclamante apta para o retorno às suas atividades e declarando o médico da ECT que a reclamante não pode mais exercer as atividades de carteiro, incabível a recusa da ré em promover a readaptação da empregada em função compatível com sua condição física. (Processo: 0000571-28.2014.5.03.0080 RO)

O próprio manual de “Assistência e Homologação de Rescisão de Contrato de Trabalho” (MTE, 2007) advoga (p. 29) que “o ASO que contiver a expressão ´apto com restrições´ equipara-se a ´inapto´, por falta de previsão jurídica daquela condição atestada”. Discordamos.

Enfim, mesmo com o entendimento da possibilidade legal da dispensa arbitrária (sem justa causa) desse empregado pelo empregador, entendemos que tal conduta deva ser muito bem pensada e refletida antes de realizada. Há exemplos de empregados dispensados que, mesmo estando “aptos” pelo Médico Perito do INSS, e pelo Médico do Trabalho/“Médico Examinador” no exame demissional, alegaram judicialmente que não poderiam ter sido desligados da empresa naquele momento por questões relacionadas à saúde (uma vez que tal conduta configuraria discriminação e afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana consagrado pelo art. 1º, inciso III da Constituição Federal de 1988) e obtiveram indenizações favoráveis.

Além disso, a Súmula n. 443 do TST (editada em setembro de 2012) se apresenta da seguinte forma:

“DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA GRAVE. ESTIGMA OU PRECONCEITO. DIREITO À REINTEGRAÇÃO. Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego.”

Vale lembrar que a Justiça do Trabalho considera o empregado como a parte hipossuficiente na relação de trabalho, o que demanda uma série de precauções a serem tomadas pelo empregador na construção de sua própria segurança jurídica.

Inequivocamente, para explorarmos as situações mais dramáticas do nosso cotidiano, na situação exposta ao longo de todo este texto, praticamente desconsideramos as possibilidades de sucesso dos pedidos de recurso junto ao INSS, e até mesmo das sentenças favoráveis ao empregado em ações judiciais instauradas.

Concluindo: legalmente, com relação à aptidão laboral, a decisão do Médico Perito do INSS deve prevalecer sobre a decisão do Médico do Trabalho/“Médico Examinador”, por mais polêmico que isso seja. No entanto, o assunto extrapola as balizas legais, fazendo com que o Médico do Trabalho/“Médico Examinador” assuma uma posição de destaque na conciliação de todos os atores envolvidos: empregado, empregador e INSS. Oportuno ratificar que a submissão legal do Médico do Trabalho/“Médico Examinador” jamais pode ser confundida com negligência médica. Isto é, o fato de o Médico do Trabalho/“Médico Examinador” ter de acatar (mesmo não concordando) a decisão do Médico Perito do INSS, por obediência legal, não o afasta do cuidado com o trabalhador em nenhuma hipótese.

Fonte: https://www.saudeocupacional.org/2017/04/limbo-trabalhista-uma-analise-medico-juridica.html

Autor: Marcos Henrique Mendanha: Médico do Trabalho, Especialista em Medicina Legal e Perícias Médicas. Advogado especialista em Direito e Processo do Trabalho pela UNIDERP. Perito Judicial / Assistente Técnico junto ao TRT-GO e TRF-GO. Diretor Técnico da ASMETRO – Assesoria em Segurança e Medicina do Trabalho Ltda. Autor do livro “Medicina do Trabalho e Perícias Médicas – Aspectos Práticos e Polêmicos” (Editora LTr). Editor do “Reflexões do Mendanha”, no site www.saudeocupacional.org. Coordenador do Congresso Brasileiro de Medicina do Trabalho e Perícias Médicas (realização anual). Coordenador Geral do CENBRAP – Centro Brasileiro de Pós-Graduações.